domingo, 22 de abril de 2007

Análise do poema da Mensagem "O dos castelos"

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mãe sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.O rosto com que fita e Portugal.
Trata-se do primeiro poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se nos Campos. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o princípio de Portugal. O título o dos Castelos remete-nos de imediato para os sete castelos que passaram a proteger Portugal a leste e a sul após a conquista do Algarve aos Mouros, levada a cabo por D. Afonso III.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por quatro estrofes irregulares, sendo a primeira uma quadra, a segunda uma quintilha e a terceira um dístico, finalmente a última é composta apenas por um verso. Esta irregularidade também se verifica ao nível da métrica, apresentando versos que variam entre seis sílabas métricas e onze. A rima predominante é a pobre, havendo no entanto dois exemplos de rica Portugal / fatal e rosto / disposto.
Eis-nos diante do rosto de Portugal que merece a atenção do sujeito poético. Este faz parte integrante da Europa personificada que abre o primeiro verso do poema. Esta figura aparece caracterizada com “ cabelos românticos” e com “ olhos gregos”. Tanto um traço como outro revelam as heranças do norte no primeiro caso e do Sul no segundo que recebemos destas civilizações. O adjectivo “românticos” pode ainda evocar a corrente literária Romantismo, cuja origem se encontrou em Inglaterra, e foi trazido até Portugal por escritores como Almeida Garrett ou Alexandre Herculano. Teremos não obstante que contrapor aqui a interpretação de românticos que se identifica com a palavra que lhe deu origem, o advérbio latino – romanice, que significa à maneira (moda) romana. Caso consideremos a primeira interpretação entenderemos facilmente o valor semântico da forma verbal toldam-lhe, que confere ao romantismo a capacidade de obscurecer de perturbar a visão. Por outro lado, não podemos esquecer o papel da civilização grega no passado. A Grécia foi por excelência o berço de uma civilização culturalmente superior e cujo império se estendeu ao longo de vários continentes. A Europa emerge no poema deitada sobre os cotovelos, apoiando o rosto – Portugal- na mão direita. A repetição do verbo jazer, cujo significado é estar deitado, mas também estar morto ou como morto, reforça a atitude passiva da Europa e a necessidade de Portugal como rosto da Europa despertar o continente adormecido para a procura de um novo império que será espiritual. Os gerúndios fitando e lembrando vêm ainda reforçar a idiossincrasia portuguesa da passividade, da falta de acção, da introspecção.
A Europa olha fixamente o Ocidente. A posição dos cotovelos, estrategicamente colocados sobre a Itália e a Inglaterra, reitera a referência às raízes culturais da identidade europeia já salientadas. O Sul associado à cultura românica e o Norte associado à própria revolução industrial, ou como mencionamos anteriormente ao papel da cultura romana. A dupla adjectivação “esfíngico e fatal” dá conta da atitude expectante e contemplativa, enigmática e misteriosa, indiciando a predestinação para o desvendamento do mistério, com que o velho continente “ Fita... o Ocidente”, que representa a sua vocação histórica, a da viagem marítima e espiritual do passado, o “futuro” que a Europa desvendou no “passado” e que se apresenta como promessa de outro futuro. Portugal cumprirá um caminho, uma missão histórica que continua a sua missão no passado. Eis-nos diante de um povo com uma missão a cumprir, dignamente competidor com os seus antepassados europeus (Romanos, Gregos e Ingleses). É no Ocidente que se espera a concretização dos sonhos da Humanidade. O rosto da Europa é o símbolo da civilização Ocidental e da Humanidade, mas também de mistério, fita o mundo. Portugal por sua vez fita no extremo ocidente os mares e o mundo para os dominar. O último verso preconiza assim o papel destinado a Portugal: guiar a Europa. Saliente-se o nacionalismo profético da referência ao papel que cabe a Portugal na liderança da Europa. O próprio número sete do conjunto das palavras que o forma é místico.

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