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domingo, 22 de abril de 2007

análise do poema da mensagem "O Infante"

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Trata-se de um poema da segunda parte – Mar Português – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta segunda parte da obra que nos propomos analisar abordam-se o esforço heróico na luta contra o Mar e a ânsia do Desconhecido. Aqui merecem especial atenção os navegadores que percorreram o mar em busca da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre de uma missão transcendente)
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, de quatro versos (quadras). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são regulares. Os versos são decassilábicos heróicos. Predomina o ritmo ternário, aparecendo também o binário. Este ritmo largamente repousado, convém a um discurso carregado de simbolismo. A rima é sempre cruzada, segundo o esquema rimático abab, cdcd, efef, permitindo que certas palavras chave do poema fiquem em posição de destaque, no fim dos versos, como nasce, uma, mundo, português, sinal, Portugal.
O poema poderá dividir-se em três partes, tendo em conta o desenvolvimento do assunto: a primeira correspondendo apenas ao primeiro verso; a segunda parte desde ali até ao final da segunda estrofe e a terceira constituída pela última estrofe. Na primeira está contido uma afirmação tripartida de tipo axiomático ou aforístico “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Os três termos seguem-se segundo a ordem lógica causa-efeito, associando a cada agente a sua acção. Mas sem a vontade do primeiro nenhum dos outros se concretizaria. Se Deus não quisesse, o homem e não sonharia e a obra não nasceria. O sentido aforístico da afirmação tem valor universal.: o substantivo homem refere-se ao ser humano em geral e obra designa qualquer acção humana. Note-se o uso do presente perfeitamente em consonância com o discurso axiomático.
A segunda parte poderá por sua vez subdividir-se em três momentos. A primeira subunidade diz respeito à apresentação da vontade de Deus e vai até “sagrou-te”. Deus quer a terra unida pelo mar. Note-se o projecto divino concretizado na rede semântica que aponta para essa união: uma, inteira, redonda, unisse, não separasse. Note-se o valor simbólico do verbo “sagrou-te”, sugerindo o Infante de Sagres e a escolha do Infante para uma missão divina. Além disso advém-lhe ainda grande força pelas suas conotações religiosas. O mar por sua vez é também simbólico do mistério e do desconhecido, daí o uso de expressões como “desvendando a espuma” (desfazendo o mistério). O segundo momento referir-se-á ao homem e vai até ao fim da primeira quadra. Aqui se desenvolve a ideia de que o homem sonha e põe em prática a vontade de Deus. No poema esse homem identifica-se com o Infante. Ele é o herói navegante em busca do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio: a realização terrestre de uma missão transcendente. Por outro lado é também o herói em busca de um caminho de universalidade. Assim se justifica o uso do artigo definido em O Infante e o homem, com valor universalizante. O Infante é o escolhido por Deus para concretizar o seu projecto. Isto confere-lhe um carácter divino, iniciático. Ele é aquele que sonha, que tem a visão e finalmente foi “desvendando a espuma”, ou seja realizou a obra. Pelo facto de ser português, a sua escolha para desempenhar uma missão transcendente, a sua divinização, a sua sagração é também a de todos os portugueses. Nesta parte aparece ainda a passagem do mistério para a luz em palavras e expressões como “orla branca” “clareou” (sair das sombras, revelar-se) já adivinhada na “espuma”(branca) da segunda parte e que se prolongará pelo “surgir”(sair das sombras, revelar-se) e pelo azul profundo” (do mar imenso, do fundo do mistério). A terceira vai até ao final desta segunda parte e refere-se à obra e corresponde à revelação. Há no poema vários indícios de revelação “ de repente”, “surgir”, “o azul profundo” e na terceira estrofe “sinal”. A revelação é repentina, espectacular, miraculosa. Tal é sugerido pela expressão “E viu-se a terra inteira, de repente,/ surgir , redonda, do azul profundo”. Esta visão da terra sugere a ideia de que a obra dos portugueses é o realizar de um plano divino. O redondo, a esfera, é o símbolo da perfeição cósmica, da unidade, da obra completa e perfeita que Deus quis. Ao longo desta segunda parte o tempo verbal predominante é o pretérito perfeito que permite narrar os acontecimentos passados.
Na terceira parte transpõe-se para o povo a glória do Infante. A conclusão é nítida – o povo português foi o eleito por Deus para esta façanha. Nesta estrofe temos um novo esquema hegeliano: o sonho cumpriu-se (tese), desfez-se (antítese) e deu lugar a um novo sonho (síntese). Este esquema dialéctico cíclico impõe o nascimento de um novo sonho, mas tal só se pode verificar se “ o Senhor” corresponder ao apelo que lhe é dirigido na frase exclamativa e em forma de vocativo “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”. Teríamos assim uma nova vontade divina, um novo sonho e uma nova acção. Esta interpelação confere ao poema um pendor dramático, atendendo também em parte à tensão emocional da segunda estrofe com o surgimento mágico quase da terra redonda. Há aqui portanto um diálogo implícito entre o sujeito poético e Deus, o que acentua o carácter messiânico e misterioso do poema. Regressa-se nesta estrofe novamente ao presente o que se adequa à sucessão presente-passado-presente da dinâmica hegeliana. Após a primeira aventura gloriosa, sobreveio o desânimo. Por isso, é necessário o apelo em que o verbo falta acentua a urgência. Este último verso associado a todos os outros elementos simbólicos dá ao poema características simbolistas. O último verso sugere mais do que aquilo que afirma. Além disso os versos são curtos, estando também assim dentro da técnica simbolista. A afirmação deu sinal é a chave para o decifrar do mistério que já se vinha revelando desde há algum tempo.

Análise do poema da Mensagem "O dos castelos"

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mãe sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.O rosto com que fita e Portugal.
Trata-se do primeiro poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se nos Campos. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o princípio de Portugal. O título o dos Castelos remete-nos de imediato para os sete castelos que passaram a proteger Portugal a leste e a sul após a conquista do Algarve aos Mouros, levada a cabo por D. Afonso III.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por quatro estrofes irregulares, sendo a primeira uma quadra, a segunda uma quintilha e a terceira um dístico, finalmente a última é composta apenas por um verso. Esta irregularidade também se verifica ao nível da métrica, apresentando versos que variam entre seis sílabas métricas e onze. A rima predominante é a pobre, havendo no entanto dois exemplos de rica Portugal / fatal e rosto / disposto.
Eis-nos diante do rosto de Portugal que merece a atenção do sujeito poético. Este faz parte integrante da Europa personificada que abre o primeiro verso do poema. Esta figura aparece caracterizada com “ cabelos românticos” e com “ olhos gregos”. Tanto um traço como outro revelam as heranças do norte no primeiro caso e do Sul no segundo que recebemos destas civilizações. O adjectivo “românticos” pode ainda evocar a corrente literária Romantismo, cuja origem se encontrou em Inglaterra, e foi trazido até Portugal por escritores como Almeida Garrett ou Alexandre Herculano. Teremos não obstante que contrapor aqui a interpretação de românticos que se identifica com a palavra que lhe deu origem, o advérbio latino – romanice, que significa à maneira (moda) romana. Caso consideremos a primeira interpretação entenderemos facilmente o valor semântico da forma verbal toldam-lhe, que confere ao romantismo a capacidade de obscurecer de perturbar a visão. Por outro lado, não podemos esquecer o papel da civilização grega no passado. A Grécia foi por excelência o berço de uma civilização culturalmente superior e cujo império se estendeu ao longo de vários continentes. A Europa emerge no poema deitada sobre os cotovelos, apoiando o rosto – Portugal- na mão direita. A repetição do verbo jazer, cujo significado é estar deitado, mas também estar morto ou como morto, reforça a atitude passiva da Europa e a necessidade de Portugal como rosto da Europa despertar o continente adormecido para a procura de um novo império que será espiritual. Os gerúndios fitando e lembrando vêm ainda reforçar a idiossincrasia portuguesa da passividade, da falta de acção, da introspecção.
A Europa olha fixamente o Ocidente. A posição dos cotovelos, estrategicamente colocados sobre a Itália e a Inglaterra, reitera a referência às raízes culturais da identidade europeia já salientadas. O Sul associado à cultura românica e o Norte associado à própria revolução industrial, ou como mencionamos anteriormente ao papel da cultura romana. A dupla adjectivação “esfíngico e fatal” dá conta da atitude expectante e contemplativa, enigmática e misteriosa, indiciando a predestinação para o desvendamento do mistério, com que o velho continente “ Fita... o Ocidente”, que representa a sua vocação histórica, a da viagem marítima e espiritual do passado, o “futuro” que a Europa desvendou no “passado” e que se apresenta como promessa de outro futuro. Portugal cumprirá um caminho, uma missão histórica que continua a sua missão no passado. Eis-nos diante de um povo com uma missão a cumprir, dignamente competidor com os seus antepassados europeus (Romanos, Gregos e Ingleses). É no Ocidente que se espera a concretização dos sonhos da Humanidade. O rosto da Europa é o símbolo da civilização Ocidental e da Humanidade, mas também de mistério, fita o mundo. Portugal por sua vez fita no extremo ocidente os mares e o mundo para os dominar. O último verso preconiza assim o papel destinado a Portugal: guiar a Europa. Saliente-se o nacionalismo profético da referência ao papel que cabe a Portugal na liderança da Europa. O próprio número sete do conjunto das palavras que o forma é místico.

análise do poema da mensagem "D. Dinis"

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o Oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se nos Castelos à semelhança do poema Ulisses. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o princípio de Portugal. O título D. Dinis remete-nos para os primórdios da nossa nacionalidade, assumindo assim o poeta a perspectiva longínqua de D. Dinis, observando no século XX à posteriori a empresa dos Descobrimentos.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de cinco versos (quintilhas). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. O segundo verso de cada estrofe tem oito sílabas métricas, enquanto os restantes são decassilábicos. Predomina o ritmo binário, aparecendo também o ternário, no verso primeiro da segunda estrofe. A rima é sempre consoante, variando entre rica e pobre, e obedece ao seguinte esquema rimático: abaab, com rimas cruzadas, emparelhadas e interpoladas, portanto. O verso decassilábico, de ritmo largo, adequa-se à expressão de uma mensagem que traduz o meditar repousado de um poeta que é rei e vai ao leme de um povo que quer ser grande.
Ainda ao nível das sonoridades merecem destaque as assonâncias (alteração entre vogal aberta e fechada) e as aliterações em sibilantes. Esta repetição de sons produz um conjunto harmónico de versos que combinam as potencialidades do significado com o significante. D. Dinis é poeta e é o criador de condições necessárias às navegações. Surge assim num contexto verbal que enquadra esses sentidos: consubstanciando matéria épica e lírica, jogando com o tempo histórico de futuro adivinhado.
Na primeira estrofe o sujeito lírico imagina D. Dinis a compor um cantar de amigo. Eis-nos diante do rei poeta. Já no segundo verso é o lavrador que emerge. Seria dos pinhais plantados por D. Dinis que viria a madeira com a qual se construiriam as naus para os descobrimentos. D. Dinis representa a certeza adivinhada do futuro. A expressão “ ouve um silêncio múrmuro consigo”, contendo um oxímoro realça a atitude meditativa do rei que, como um rei-mago, ao escrever o seu cantar de amigo profetiza já a epopeia marítima dos portugueses. O sujeito lírico recua no tempo e escuta com o rei o rumor dos pinhais que ondulam ( metáfora de inspiração marinha).. Esta metáfora e a personificação contidas na expressão “é o rumor dos pinhais como um Trigo de Império” sugere que esse sussurrar pressentido por D. Dinis era a fala misteriosa dos pinhais que já ondulavam na imaginação do poeta “como um trigo de império”. Esta metáfora é extremamente expressiva. Os pinhais contribuiriam para permitir a expansão portuguesa e esta criaria a riqueza do nosso império. O pão é símbolo de alimentos de poder económico, sendo o trigo , as searas promessa de riqueza para um país. Este ondular invisível deixa já antever a aventura marítima e o Império que lhe está associado. Assinale-se ainda o animismo é o rumor dos pinhais. Os pinhais parecem ter linguagem e inspiram o próprio cantar do rei-poeta, porque anunciam qualquer coisa de grande, ainda envolvida em mistério. Os verbos encontram-se no presente com aspecto durativo, traduzindo acções que se prolongam no tempo, tornando a descrição mais impressionista e visualista.
Na segunda parte, mantém-se a preocupação por parte do “eu” poético de nos fazer chegar o cantar do jovem rei e o “marulho obscuro” dos seus pinhais. Tudo isto era, na perspectiva do rei, o pressentimento embora obscuro de qualquer coisa grande que estava para vir, era “o som presente desse mar futuro”. Esta ideia põe em destaque o carácter mítico deste “herói”, como uma espécie de intérprete de uma vontade superior. A mensagem deste poema centra-se sobretudo no futuro e a razão disto poderá encontrar-se a partir do que atrás ficou dito: se a perspectiva temporal é a de D. Dinis, e este rei prepara as glórias futuras da sua grei, é evidente que a mensagem do poema se centra sobretudo no futuro. Isso mesmo se confirma no texto “ O plantador de naus a haver”, Arroio, esse cantar ... e a fala dos pinhais...é som presente desse mar futuro.... O cantar de quem, dos pinhais ? Do poeta? Ou dos dois? Esse cantar era apenas um regatozinho que procurava o mar por achar. Esta metáfora exprime como os portugueses começando quase do nada foram engrossando caudal das suas forças até chegarem à Índia. O poema refere duas fases da nossa história: o ciclo terra (plantador de naus, pinhais, trigo) e o ciclo do mar (arroio, naus e mar). A terra e o mar dois pólos entre os quais se balouçou o povo português, sem nunca ter encontrado uma distância equilibrada entre os dois.
Após termos perspectivado a mensagem do tempo é mais fácil perspectivar a do espaço. Há expressões que apontam para o estreito espaço lusíada antes dos Descobrimentos “o plantador de naus ... o rumor dos pinhais... o som presente ... e a voz da terra.... É o espaço limitado dos primeiros tempos da pátria.
Mas surgem por antítese a estas, outras expressões que projectam a nação através do mundo: “como um trigo de império ... busca o Oceano por achar ... desse mar futuro, ... ansiando pelo mar...”
Relacionando o espaço e o tempo, verificamos que ao tempo futuro corresponde o alargamento do território português, a projecção da nação através dos mares.
Ao longo do poema devemos destacar as expressões que se congregam para dar a sugestão de um mistério premonitório do domínio dos mares “ na noite ... silêncio múrmuro... rumor dos pinhais, marulho obscuro. É voz presente desse mar futuro”.
De notar que o rumor dos pinhais de tal forma se insinua no cantar profético do poeta que se atribui a esse cantar o mesmo efeito que à fala dos pinhais “esse cantar busca o oceano por achar; e a fala dos pinhais é som presente desse mar futuro”.
Concluindo, este poema está imbuído de sensibilidade épica. A grandeza dos feitos de uma nação é inseparável da sua grandeza literária. Pelo que se compreende que Fernando Pessoa tenha concebido na Mensagem um super Portugal em que ele seria o super Poeta. A cultura parece desempenhar aqui um papel de importância acrescentada. Também o Quinto império será cultural.

Mensagem - análise do poema "D. Sebastião"

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se As Quinas. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o princípio de Portugal. O título D. Sebastião remete-nos para um momento importante da nação, assumindo D. Sebastião um papel importante na decisão tomada de avançar para a conquista de África.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de cinco versos (quintilhas). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. Os versos variam entre as seis sílabas métricas, as oito e as dez. Predomina o ritmo binário, aparecendo também o ternário. A rima varia também entre consoante, que predomina e toante, variando ainda entre rica e pobre, predominando não obstante a pobre e obedece ao seguinte esquema rimático: ababb, com rimas cruzadas e emparelhadas, portanto. A alternância de ritmo possibilita a emissão de uma reflexão do próprio rei e o incitamento que dirige aos destinatários.
O poema poderá dividir-se em duas partes: a primeira correspondendo à primeira estrofe e a segunda parte à segunda estrofe. Na primeira o sujeito poético faz uma autocaracterização como “louco”; na segunda faz uma apologia da loucura, um elogio, exortando a que outros dêem continuidade ao seu sonho.
Na primeira estrofe o sujeito lírico encontra a base da loucura na grandeza (a febre do além, o sonho, o ideal) que o sujeito lírico assume com orgulho. Em consequência dessa loucura, o herói encontrou a morte em Alcácer Quibir (perífrase). Apesar disto a loucura tem neste poema uma conotação positiva, já que se liga ao desejo de grandeza, à capacidade realizadora, sem a qual o homem não passa de um animal. Veja-se ainda na primeira estrofe a referência ao ser histórico “ ser que houve” que ficou na batalha de Alcácer Quibir, onde encontrou a destruição física, e a distinção deste com o ser mítico “ não o que há”, que sobreviveu pois é imortal, é a ideia-símbolo, o sonho que fecunda a realidade. Este perdura na memória colectiva como exemplo.
Na segunda parte, o sujeito poético lança um repto aos destinatários, fazendo um apelo à loucura e à valorização do sonho. Deve portanto dar-se asas à loucura como força motora da acção. Trata-se de um apelo de alcance nacional e universal. Este mesmo elogio será repetido várias vezes ao longo da obra. É a referência ao mito sebastianista, força criadora, capaz de impelir a nação para a sua última fase que está aqui em questão. O repto permite aos destinatários considerarem a grandeza do rei suficiente para todos. A utopia foi e será sempre a força criadora de novos mundos quer a nível individual quer a nível colectivo. Sem ideal cai-se no viver materialista. A interrogação retórica com que termina o poema aponta precisamente para a loucura como força criativa que poderá ser canalizada para a reconstrução nacional. Sem o sonho “a loucura” o homem não se distingue do animal. É a través do sonho que o homem é capaz de seguir em frente sem temer a própria morte. Assim o homem deixará de ser um animal sadio ou reprodutor com a morte adivinhada.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

análise do poema - O Mostrengo

Mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”

“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
“Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”


Trata-se de um poema da segunda parte – Mar Português – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta segunda parte da obra que nos propomos analisar abordam-se o esforço heróico na luta contra o Mar e a ânsia do Desconhecido. Aqui merecem especial atenção os navegadores que percorreram o mar em busca da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre de uma missão transcendente)
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, de nove versos (nonas). Quanto ao metro os versos são irregulares. Os versos predominantes são decassilábicos, havendo no entanto também a presença de hexassílabos, octossílabos e eneassílabos. Predomina o ritmo ternário, conferindo ao poema o tom alto e sublimado próprio do poema épico. A rima é emparelhada e cruzada, segundo o esquema aabaacdcd. Verifica-se a presença de um verso solto, que é aquele que transporta em si um grande simbolismo pela referência às três vezes. Merecem ainda destaque neste campo as sonoridades que na sua maioria são onomatopaicas, possibilitando a existência de grande harmonia imitativa. As consoantes fricativas /v/, /z/ e /ch/, imitam o som do voar do mostrengo. Além disso a abundância de sons nasais e fechados, bem como da consoante vibrante /r/ contribuem para o estilo característico da epopeia. Esta predominância dá ao poema uma ressonância sombria e pesada, confirmando o tom dramático que o caracteriza.
O tema desta composição poética pode dizer-se que é a coragem do povo português diante das adversidades do mar.
Chegados ao cabo das Tormentas, os portugueses encontram o Mostrengo destinado a atemorizá-los para que desistam da sua viagem. Porém, o homem do leme faz-lhe frente, neutralizando-o pela imposição da vontade de um povo que não abdica da sua missão.
O título do poema Mostrengo é uma palavra derivada por sufixação “ monstro + sufixo de valor lexical pejorativo (mulherengo). Significa portanto pessoa muito feia; pessoa desajeitada, ociosa ou inútil; estafermo.
O sujeito poético começa por nos apresentar o mostrengo numa espécie de introdução. O mostrengo surge assim logo rodeado de mistério, pois localiza-se «no fim do mar» (noite escura). O mistério está também na expressão «três vezes» (que se repete sete vezes ao longo do poema). O número três está relacionado com as ciências ocultas, é um número cabalístico, é um triângulo sagrado, presente em muitas religiões, como a tríade da religião egípcia, a tríade capitolina (em Roma), a tríade dos cristãos (Santíssima Trindade). Fiquemo-nos pela versão que considera o número três como símbolo da perfeição, da unidade, da totalidade a que nada pode ser acrescentado. A simbologia deste e de outros números contribui para lhe conferir um sentido oculto e esotérico. De notar que a expressão referida aparece três vezes em lugar de destaque, no fim do terceiro verso de cada estrofe, que são três e que têm cada uma nove versos (múltiplo de três e aparece três vezes o refrão «El Rei D. João Segundo» que tem seis sílabas (múltiplo de três).
O mostrengo é caracterizado de forma indirecta nesta primeira estrofe. São as suas acções que se descrevem: realiza movimentos circulares intimidadores e sitiantes à volta da nau, e as suas palavras são ameaçadoras – vive numa “cavernas” que ninguém conhece de “tectos negros do fim do mundo” e “escorre” “os medos do mar sem fundo”. Estas últimas expressões estão também carregadas de mistério-terror. A dinâmica agressiva do texto é ainda sugerida pela abundância de formas verbais que traduzem movimentos incontroláveis, violentos, de terror: «ergueu-se a voar», «voou três vezes a chiar», «ousou», «tremendo». Para que a descrição deste ambiente de terror contribui a linguagem visualista, fazendo apelo às sensações visuais e auditivas sobretudo. «noite de breu», «tectos negros». É também impressionista a linguagem que nos dá a localização espácio-temporal da situação «à roda da nau», «no fim do mar», «nas minhas cavernas», «meus tectos negros do fim do mundo». A emoção dramática está patente nesta primeira estrofe através não apenas dos aspectos já mencionados, mas também através da expressividade das metáforas e até imagens contidas em «nas minhas cavernas», «meus tectos negros do fim do mundo». Estas traduzem o mistério impenetrável de qualquer coisa medonha. A emotividade desta primeira estrofe é transmitida quer pela interrogativa do mostrengo quer pela exclamativa do marinheiro. É interessante notar a fusão de várias funções da linguagem na interrogação do mostrengo (emotiva, fática e imperativa). O refrão que aparece repetido em todas as estrofes e que aparece no último verso de cada uma delas acentua a ligação do marinheiro à vontade de El Rei, constitui além disso uma espécie de coro, de voz secreta do destino a incitar o marinheiro a cumprir a sua missão. Nesta primeira estrofe o Mostrengo aparece personificado (voa, chia, ameaça) funciona como símbolo dos perigos e ameaças do mar tenebroso. Esta primeira estrofe é um discurso a três vozes: a do sujeito poético que introduz a figura do Mostrengo, a dos próprio Mostrengo e a do marinheiro. Nesta estrofe a reacção deste marinheiro caracteriza-se pelo medo «tremendo». Assustado e intimidado quer pelas palavras do mostrengo, quer pelo ambiente sinistro que o circunda, responde apenas com uma frase invocando a autoridade de que foi investido.
Na segunda estrofe o discurso narrativo do sujeito de enunciação é relegado, aparecendo intercalado no discurso directo do mostrengo. A irascibilidade do Mostrengo vai crescendo. A emotividade agressiva acentua-se nesta estrofe pelas interrogativas. Mais uma vez se deve salientar a linguagem visualista «as quilhas que vejo e ouço» «nas trevas do fim do mundo». A agressividade continua a ser traduzida por formas verbais que traduzem movimentos incontroláveis, violentos e de terror «roço», «rodou», «tremeu». Mais uma vez também a localização espácio-temporal recorre a uma linguagem impressionista «onde nunca ninguém me visse» e «mar sem fundo». Também aqui o ambiente de emoção e terror se centra nas atitudes do mostrengo «rodou três vezes», «três vezes rodou imundo e grosso, e «escorro os medos do mar sem fundo.» Este verso contém também uma metáfora imagem bastante expressiva que aponta para a permanência do terror, uma espécie de fonte inesgotável de medo (note-se o aspecto durativo do verbo escorro. Outro recurso estilístico que merece destaque ao nível morfossintáctico é a anáfora nos dois primeiros versos, acentua a procura do mostrengo do responsável pelo seu desassossego. À gradação crescente da irascibilidade do mostrengo corresponde a resposta do marinheiro que já treme primeiro e depois fala. Há um crescendo na coragem e valentia do homem do leme. Nesta estrofe aparecem dois dos três adjectivos que aparecem no poema com o objectivo de caracterizarem o mostrengo «imundo e grosso».
Na terceira estrofe esta coragem atingirá o seu clímax neutralizando o mostrengo. O drama da divisão entre o medo e a coragem vive-se no íntimo do marinheiro. Com efeito, as atitudes contraditórias de prender e desprender as mãos do leme, tremer e deixar de tremer revelam ainda alguma insegurança e um estado de dúvida que lhe provoca a divisão entre a coragem e o terror. O terror advinha do mostrengo a coragem da missão que lhe fora confiada e lhe vinha do alto. Chega finalmente a resposta segura e inabalável. Ele representa o povo português e nele manda mais a vontade de El Rei do que o terror incutido pelo Mostrengo. A forma verbal ata de aspecto durativo sugere a missão inabalável do marinheiro, ligado fatalmente è vontade de D. João II. A evolução que se verificou em relação ao homem do leme é ascendente, prevendo-se a evolução contrária do mostrengo que é neutralizado pela última resposta do homem do leme. O predomínio do presente do indicativo nas falas do homem do leme por oposição ao pretérito perfeito da narração confere às falas do marinheiro e do mostrengo maior vivacidade e força, até para o valor universal e para o tom épico da última fala daquele. Volta a aparecer nesta última estrofe nos dois primeiros versos a anáfora associada ao simbolismo do número três. Também o Mostrengo e o homem do leme são figuras simbólicas, como já nos apercebemos. Em síntese o Mostrengo simboliza os medos dos navegadores que enfrentam o desconhecido e o homem do leme é a figura do herói mítico, símbolo de um povo, e que, portanto, passa de herói individual a colectivo, com uma missão a cumprir.